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Casarões e sobradinhos da Lagoinha


Lagoinha





Fantoni, Tenaglia, Scarponi, Pisani, Ferrari. Todos esses e outros sobrenomes italianos podiam ser encontrados dentre as famílias que habitaram o bairro da Lagoinha desde sua fundação – originada para abrigar os operários e comerciantes que vinham trabalhar na capital do estado de Minas Gerais.

Por ser muito próxima à Praça da Estação e da Rodoviária, a Lagoinha cresceu rapidamente, recebendo um volume considerável de homens que trabalharam na construção da capital e na iniciação dos primeiros estabelecimentos locais. Com o grande fluxo local, não só as atividades comerciais floresciam, mas também as diversas formas de lazer que acompanham o desenvolvimento urbano. Esse foi o começo de uma região que ficou caracterizada pelos núcleos familiares e por sua famosa zona boêmia e de prostituição.

As residências familiares e os pontos de comércio erguidos em sobrados e casinhas com simpáticos alpendres perduram até hoje, embora suas formas e finalidades sejam distintas de outrora. Algumas das casas tinham suas identidades confundidas, como a Casa da Loba, que não era de prostituição e sim de importante família italiana. Uma delas, os Scarpelli, ficou na lembrança coletiva pelos belos acordeons que produzia, conhecidos até hoje.

Uma das paisagens que melhor representava o bairro era a Praça Guilherme Vaz de Melo – também conhecida como Praça da Lagoinha, local onde se trabalhava de dia e se divertia à noite. Bêbados, nômades, trabalhadores braçais, médicos, advogados e também moças de família ali transitavam sem qualquer importuno. A Praça era viva, não dormia nunca.

Localizada entre as duas estradas de ferro da capital mineira: a Central do Brasil e a Rede Mineira de Viação, ainda era beneficiada pela proximidade com a Feira de Amostras, na Rodoviária – centro econômico e cultural de grande valor para a cidade na década de 50. O destino de quase todos que desembarcavam ali, especialmente aqueles que vinham à cidade por motivos profissionais, era a Lagoinha.

Sr. Baltazar Alves Botelho, ou apenas Seu Baltazar, vive no bairro desde os 17 anos. Sua amiga de longa data, D. Juracy da Silva Ferrari, veio de Diamantina ainda muito nova para habitar a região. Juntos, lembram-se dos amigos e vizinhos, como a família Ferreira Pinto, cujo patriarca tinha uma fábrica instalada no início da Rua Diamantina, o “Fubá Mimoso”. Com raízes em Ravena, perto de Sabará, os filhos do Sr. Ferreira Pinto deram o que falar na época por causa de suas peripécias etílicas e brigas entre irmãos. Dona Juracy conta que “Bené, por exemplo, foi dono do Clube Fluminense durante muito tempo, e o Ernesto – o mais feio da família –, era também o mais brigador". Numa casa de homens muito “bem aparentados”, havia ainda o Elmir, o caçula Elder e o Edir, que foi seminarista. Completando a sequência de nomes com o começo idêntico, havia o Ênio, Enéas e Emir. Nas contas de Dona Juracy e Seu Baltazar havia ainda as três irmãs Efigênia, Ethel e Eli.

No Bar do Hugo, os jovens Ferreira Pinto se reuniam para tomar a apreciada birita, grande desencadeadora das pancadarias. Como o botequim ficava no percurso da volta para casa, o Sr. Ferreira passava pela porta, e nessa ocasião os colegas o chamavam para adentrar o bar. “Era menino se engalfinhando dentro do banheiro, com medo de ser apanhado de copo na mão pelo pai”, conta Baltazar.

Havia ainda o sobradinho da família Nappo, onde o Sr. Ângelo, um italiano muito sistemático, se instalou por longos anos, na esquina da Avenida Antonio Carlos com Adalberto Ferraz. A distinta casa era tão grande que ia até a Rua Diamantina, ocupando todo o quarteirão.


À luz do dia

Diversão nunca faltou para quem frequentasse a Lagoinha, cuja extensão abarcava parte do centro da cidade. Eram famosos o Cine México e o Cine Laquimé (da Avenida Mauá, onde era o antigo cinema Mauá e hoje é a Avenida Nossa Sra. de Fátima), o San Geraldo e Cine Vitória (que ficava na Rua Curitiba com Oiapoque), além do Cine Floresta, que era mais próximo ao viaduto da Floresta e muito freqüentado por jovens e adultos da região.

Alguns comerciantes davam os próprios nomes para seus estabelecimentos, como a família Vaz de Mello e os Ferreira Diniz, que tinham farmácias; e os Ferreira Pinto, com a padaria que ostentava uma grande sacada no fundo, futura instalação do Hospital Samaritano. Havia na Praça a Padaria do Japonês, o Bar Belo Horizonte, o Bar Pirapama, e as casas de caldo de cana e vitaminas, muito apreciadas pelo pessoal. Ali também se encontrava a venda que fazia o famoso caldo de mocotó.

Campeã em movimento, a Feira de Amostras reunia artesanato, cultura e comércio. Além dos visitantes, se concentravam os caminheiros que traziam as mercadorias, pois a Feira era usufruída não somente como um espaço de trabalho, mas também como uma opção de lazer. Dividiam espaço o Clube Paissandu, a Rádio Inconfidência e uma arena onde havia carnavais no gelo e lutas de boxe.

O Mercado da Lagoinha, espaço da prefeitura que hoje é voltado para sediar alguns cursos sociais e promover eventos culturais, era uma verdadeira feira dos produtores. Tinha farmácias, hortifrutigranjeiros, o armazém municipal e um bom açougue. Ainda resta, ao lado do Mercado, a loja de doces, pimenta e laranja da terra.

Próximo à antiga feira se localiza o conjunto popular IAPI (Instituto de Aposentados e Pensões dos Industriários), inaugurado pelo presidente Juscelino Kubitschek na década de 40. Além dos trabalhadores do setor industrial, o IAPI foi residência de algumas personalidades, como o médico e jogador de futebol, Tostão. Hoje o conjunto tem como referência geográfica o bairro São Cristóvão, por causa da proximidade à Igreja que carrega o mesmo nome. Aliás, a questão da divisão de bairros tornou-se um problema, pois por questões políticas e karmas sociais, ninguém sabe mais a que região pertence, com exceção de alguns... “Nós temos orgulho de ser da Lagoinha, esse negócio de Colégio Batista, por exemplo, nem existe. É invenção do povo”, dizem Juracy e Baltazar.

Unindo o centro ao bairro, perpassando pelos demais, estava a Avenida Pampulha, hoje conhecida como Antônio Carlos, via dos bondes de época. O barulho era grande e incomodava as famílias, que acabavam se instalando em pontos mais distantes da linha quando podiam. Sobreviviam ao caos sonoro os comerciantes que se espalhavam pelas ruas Itapecerica - uma das mais movimentadas, Além Paraíba, Bonfim e Paquequer. Descendo a Rua Padre Paraíso, as linhas chegavam imponentes do bairro Carlos Prates, desembocando na frente do Mercado.

A lembrança mais marcante do dia a dia dos moradores e talvez a maior paixão coletiva, chama-se Praça Vaz de Mello. Na ocasião de sua implosão foram distribuídos cerca de 100 mil lenços com o samba saudoso de Gervásio Horta, “Adeus Lagoinha adeus”. Muitos corações ficaram arrasados, críticas pipocaram na mesma intensidade das declamações de amor à praça, como as publicadas por Wander Piroli e Plínio Barreto. Como lembra Sr. Baltazar, cantando os versos do músico Adoniran Barbosa, “fumo pro meio da rua, apreciar a demolição, que tristeza nós sentia, cada tauba que caia, era um nó no coração...”.


Prazeres noturnos

Baltazar não se esquece do no 50 da Rua Diamantina, onde ficava a casa das “Meninas Alegres”. Carinhosamente chamadas assim, os bordéis eram os antros que abrigavam o prazer, numa mescla de doçura e sacanagem das “mulheres da vida”, onde havia opções para todos os gostos e bolsos.

Os rendez-vous faziam jus ao nome de origem francesa, trazido para a Lagoinha pela inesquecível Madame Olympia. Tudo começou na Rua Guaicurus com a francesa que incutiu uma vida noturna mais moderna a Belo Horizonte, criando ambientes similares aos da França, país rei da boemia.

Era a época dos cabarés, como o Mariana Dancer, e das boates, com destaque para o Montanhês. As casas se perdiam entre a finalidade de servir refeições, ser um espaço para dançar, e oferecer noites de prazeres pagos. Na Avenida Pampulha havia o Automar – uma espécie de hotel de meninas mais grã-finas, que ficava no piso de cima da loja de peças que dava sentido ao nome do local.

O no 600 da Avenida correspondia ao bordel da Maria Leite, em cima do Bar do Masito – que nunca fechava e era especialista em massas. Vinda do interior, a mulher de olhos claros e cabelos cor de mel encantou os fregueses que procuravam seu estabelecimento pela fama de distinção e cuidado com qual eram tratadas as meninas dali. Maria Leite era semi-analfabeta, mas aprendeu com a vida os trejeitos de sua graciosidade, a esperteza e a arte de atrair homens que se tornariam fiéis clientes.

Na antiga Rua Rutilo instalaram-se Marieta e Zilá. Já na Caxambu, Afonsinho atraía os camaradas não pelas mulheres, mas pela coleção de vinis 78 rotação que mantinha. Funcionário público e homossexual, Afonsinho era dono das relíquias e de boas refeições.

No ramo de motéis, o Lanterna Azul foi inovador. O restaurante tinha o melhor peixe da região e oferecia ao cliente a possibilidade de entrar com a namorada sem ser incomodado por ninguém, pois havia entre o quarto e o lado público, uma janelinha por onde entrava a comida e saía o dinheiro.

São muitas as casas da luz vermelha, rendez-vous, motéis e casa das mocinhas da vida. Ali, os homens deixaram um pouco de sua vida, puderam realizar algumas fantasias e se apaixonar, afinal, eram, em sua maioria, comerciantes que pernoitavam na cidade, solitários caminhoneiros e incansáveis falastrões que não se esqueceriam jamais de Maria Leite, Zila, Marieta, Olympia e tantas outras formosuras.



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